segunda-feira, 10 de abril de 2017

Por que é preciso ter cuidado ao assistir Os 13 Porquês?




Quando li o livro, pela primeira vez estava viajando. Tinha decidido passar um mês fora e li por pura diversão. Agora que tive a chance de assistir ao seriado, fiquei com medo de como as pessoas, especialmente as que estão fragilizadas, vão entendê-lo. A primeira ideia é super bem vinda: vamos falar sobre suicídio! Algo extremamente necessário atualmente. Mas, à medida que fui assistindo à série, minha preocupação foi aumentando.

Aí vem os Spoilers, muitos spoilers! Se você não assistiu, não leia o que escrevi.


Primeiro vem a questão das fitas. Cada fita é um motivo pelo qual Hannah decidiu se matar e está relacionada a diferentes pessoas. Entendi que as fitas foram gravadas como uma forma de se vingar contra as pessoas que a tinham feito mal. A ideia é: vou me matar, mas vou levar todos comigo.

Ai vem o questionamento: até onde somos responsáveis pelo suicídio de alguém? Essa questão de encontrar culpados me preocupa, até porque vejo essa questão quase todos os dias no consultório, especialmente por quem está passando por situação parecida. 

Não à toa que um dos personagens também tenta suicídio e outro tem um baú cheio de armas de grande porte e, logo depois, começa a ver fotos de alunos como se fossem possíveis alvos para uma chacina.

Não podemos negar que o seriado levanta questões importantes sobre bullying, assédio moral e sexual, machismo, relação da escola com os alunos e dos pais com os filhos. Mostra como estas relações estão cada vez mais distantes e como cada vez mais aumenta o desrespeito entre as pessoas. 




Também ouvi várias pessoas falando sobre o aumento de ligações para o CVV. Em primeiro lugar, é claro que as ligações aumentariam: este é o efeito esperado de uma campanha de divulgação. Em segundo lugar, as ligações comprovam também que "Os 13 Porquês" tem um imenso potencial para disparar gatilhos. Gatilhos esses perigosos e que podem levar ao suicídio.

Ao encenar com detalhes o suicídio de Hannah, a série vai de encontro as várias as recomendações feitas pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à forma com que o suicídio deve ser tratado pela mídia. Aliás, duvido que eles tenham lido algo sobre como a OMS recomenda tratar questões relacionadas ao suicídio.

Quem está em depressão grave, pode confirmar na série que a única saída é mesmo o suicídio. Hannah em nenhum momento procura ajuda de verdade. De certa forma ela quer que as pessoas cheguem até ela para salvá-la, o que na maioria das vezes é impossível, pois não sabemos o que se passa dentro da cabeça do outro. Ela tenta falar com colegas que não a aceitam ou que já fizeram mal a ela, como conselheiro da escola que não tem formação profissional e a conversa com seus pais é extremamente superficial. O final é extremamente simbólico quando ela fala: "Eu não me importo mais, e vocês não se importaram o suficiente". Novamente, a questão da culpa.

Ficaria muito mais tranquila se o seriado mostrasse que há, sim, saídas ao invés do suicídio. Sim, há angústias, maldades, mas que podem ser superadas. Locais onde a personagem poderia procurar ajuda de psicólogos, psiquiatras, grupos de apoio, igreja, etc., ao invés de mostrar o suicídio de Hannah de forma bem gráfica. 

No final, para mim, a intenção do seriado não vingou. Em vez de dar esperança às pessoas que estão com a vida por um fio, ele mostra que o melhor a fazer é arrumar culpados e depois se matar. A ideação suicida já é, por si só nociva. Reforçá-las com narrativas irresponsáveis é algo não só desaconselhável, mas também perigoso.

Resumindo: se você está bem psicologicamente, assista a série. Mas se você está mal, com depressão grave e ideação suicida, não assista e procure ajuda profissional.


Telefone CVV: 141



Texto por:

Luiza Braga (CRP 11/04767)
Psicóloga. Possui especialização em Psicologia da Saúde pela PUC/SP e Mestrado em Psicologia Clínica pela PUC/SP. É psicóloga clínica há 9 anos com experiência no atendimento de crianças e adultos, na área da psicossomática, trauma e luto. Sócia diretora do Veredas Psicológicas – Caminhos de Crescimento. Coordenadora de grupos de estudos. Atualmente faz formação em Experiência Somática e Traumas na Associação Brasileira de Traumas. Membro da ABT - Associação Brasileira de Traumas.




















Um comentário:

  1. Pensei numa lógica semelhante quando vi meros dois episódios de Black mirror...

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